domingo, 5 de agosto de 2007

Mulheres!


Depoimento de Rita Lee:

Eu tinha 13 anos, em Fortaleza, quando ouvi gritos de pavor. Vinham da vizinhança, da casa de Bete, mocinha linda, que usava tranças.Levei apenasuma hora para saber o motivo.Bete fora acusada de não ser mais virgem e os irmãos a subjugavam em cima de sua estreita cama de solteira, para que o médico da família lhe enfiasse a mão enluvada entre as pernas e decretassese tinha ou não o selo da honra. Como o lacre continuava lá, os pais respiraram, mas a Bete nunca mais foi à janela, nunca mais dançou nos bailes e acabou fugindo para o Piauí, ninguém sabe como, nem com quem. Eu tinha apenas 14 anos, quando Maria Lúcia tentou escapar, saltando o muro alto do quintal da sua casa para se encontrar com o namorado. Agarrada peloscabelos e dominada, não conseguiu passar no exame ginecológico. O laudo médico registrou vestígios himenais dilacerados, e os pais internaram apecadora no reformatório Bom Pastor, para se esquecer do mundo Realmente,esqueceu, morrendo tuberculosa. Estes episódios marcaram para sempre a minha consciência e me fizeram perguntar que poder é esse que a família e os homens têm sobre o corpo das mulheres? Ontem, para mutilar, amordaçar, silenciar. Hoje, para manipular,moldar, escravizar aos estereótipos. Todos vimos, na televisão,modelos torturados por seguidas cirurgias plásticas. Transformaram seus seios em alegorias para entrar na moda da peitaria robusta das norte-americanas. Entupiram as nádegas de silicone para se tornarem rebolativas e sensuais, garantindo bom sucesso nas passarelas do samba.


Substituíram os narizes, desviaram costas, mudaram o traçado do dorso para se adaptarem àmoda do momento e ficarem irresistíveis diante dos homens.E, com isso, Barbies de facaria, provocaram em muitas outras mulheres - as baixinhas, as gordas, as de óculos - um sentimento de perda de auto-estima. Isso exatamente no momento em que a maioria de estudantes universitários(56%) é composto de moças. Em que mulheres se afirmam na magistratura, na pesquisa científica, na política, no jornalismo. E, no momento em que as pioneiras do feminismo passam a defender a teoria de que é precisofeminilizar o mundo e torná-lo mai sdistante da barbárie mercantilista e mais próximo do humanismo. Por mim,acho que só as mulheres podem desarmar a sociedade. Até porque elas são desarmadas pela própria natureza. Nascem sem pênis, sem o poder fálico da penetração e do estupro, tão bem representado por pistolas, revólveres,flechas, espadas e punhais. Ninguém diz, de uma mulher,que ela é de espadas. Ninguém lhe dá, na primeira infância, um fuzil de plástico, como fazem com os meninos, para fortalecer sua virilidade e violência.As mulheres detestam o sangue, até mesmo porque têm que derramá-lo na menstruação ou no parto. Odeiam as guerras, os exércitos regulares ou asgangues urbanas, porque lhes tiram os filhos de sua convivência e os colocamna marginalidade, na insegurança e na violência. É preciso voltar os olhos para a população feminina como a grande articuladora da paz. E para começar, queremos pregar o respeito ao corpo da mulher. Respeito às suas pernas que têm varizes porque carregam latas d'água e trouxas de roupa. Respeito aos seus seios que perderam a firmeza porque amamentaram seus filhos ao longo dos anos. Respeito ao seu dorso que engrossou, porque elascarregam o país nas costas. São as mulheres que irão impor um adeus às armas, quando forem ouvidas e valorizadas e puderem fazer prevalecer a ternura de suas mentes e a doçura de seus corações.

"Nem toda feiticeira é corcunda. Nem toda brasileira é só bunda.

- Rita Lee -

2 comentários:

  1. Uau que foto linda hehehee
    Legal o depoimento da Rita Lee também ^^
    E a frase no final.fodona,apesar de já conhece-la.

    Te amo Pam

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  2. Conversaremos muito ainda sobre esse tema, Pam!!! :)

    Eu gostaria de recomendar dois livros que vão falar sobre isso!!!! São de psicologia evolucionista! ;) Ambos de Steven Pinker! Chamam-se: "Como a mente funciona" e "Tábula rasa".

    Pam, se você se interessa muito mais por política do que por biologia e neurociência e ainda por cima tem pouco tempo - ou seja, terá de escolher ler só um -, eu recomendo o "Tábula rasa"!!! Posso apostar como você achará MUITO interessante! ;D

    Por enquanto, é isso!

    Tchau Pam, cuide-se! x)

    De seu narigudo, Júlio R. xD

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"Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro..." (Clarice Lispector)