quinta-feira, 26 de julho de 2007




Werther ou o Romance do Ímpeto Destrutivo
(Posfácio de Erlon José Paschoal)

Johann Wolfgang Goethe (1749-1832) era dono de uma inteligência brilhante e de um agudo senso de observação além, é claro, de dispor de recursos variados para expressar e representar as suas sensações frente à diversidade humana. Publicou poemas, romances, novelas, peças de teatro e teorias científicas, entre outras coisas. Escreveu um livro sobre a evolução da vida vegetal e a metamorfose das plantas; desenvolveu a idéia de uma planta protótipo que tenha dado origem a todos os vegetais e criou uma teoria das cores afirmando que elas surgem da união do claro e do escuro e não da luz propriamente dita, como ensinou Newton. Estabeleceu leis biológicas, que hoje soariam familiares aos pesquisadores da psicologia analítica, segundo as quais a transformação permanente construiria o processo fundamental da vida. Era, enfim, um ser humano capaz de penetrar nos mistérios da vida por duas vertentes distintas e, na sensibilidade dele, complementares: através da análise científica e da criação poética, da observação da matéria e também do espírito; do real e do lúdico; das leis da ciência e da arte.
A história de Werther, esse rapaz perdidamente apaixonado, mas não correspondido, escrita em forma de cartas, é uma espécie de confissão íntima realmente única na literatura alemã; foi escrita em 1774 em apenas quatro semanas logo após o autor completar 24 anos. Para muitos trata-se de um romance autobiográfico, fruto da paixão de Goethe por Charlotte Buff, a quem ele conhecera um pouco antes na cidade de Wetzlar e por quem se apaixonara profundamente. Ela viria a se casar logo em seguida com Christian Kestner, o que muito abalou o jovem Goethe. Obviamente, o casal se sentiu excessivamente referenciado, e ambos, ofendidos, cortaram relações com o autor por um longo tempo. Apesar das similaridades e das coincidências com a vida real, o mais importante é que esta obra é uma verdadeira expressão de sua época, pela força poética de sua linguagem e por captar necessidade de transcendência que agitava então os espíritos juvenis, razão pela qual ela passou a servir de referência comportamental para quase toda a juventude européia. (...) O próprio Napoleão confessou a Goethe em 1808 que havia lido o livro sete vezes. Ele foi sem dúvida o maior acontecimento literário do século XVIII, vindo a se tornar o primeiro bestseller da literatura ocidental e o maior sucesso literário do autor, o que contraria em parte uma opinião do próprio Goethe: “Minhas obras não se tornarão populares; quem pensa assim, está equivocado. Elas não foram escritas para a massa, mas para o indivíduo que ambiciona e procura algo semelhante , e que trilha caminhos semelhantes”. Ele figura até hoje entre os 100 livros mais lidos do mundo. (...)
O tema do livro é a paixão, mas não a paixão disciplinada, comportada, condizente com os padrões e as regras vigentes até então. É a paixão sofrida até a mais absoluta destruição, até a aniquilação das forças vitais, na qual as barreiras da moral vêm totalmente abaixo. É o arrebatamento quase insano, a impulsividade livre e solta. Ultrapassa-se, portanto, a esfera da coincidência clara que tudo controla e domina, aproximando-se assim da loucura e da negação da vida. A ordem do mundo manifestada pelo casamento é destruída de maneira avassaladora pelas forças naturais elementares do amor. (...)
[ Tirado do livro “Os Sofrimentos do Jovem Werther” – Ed. Estação Liberdade – 2ª edição, 1999]

“O velho bailio acorreu logo que recebeu a notícia, e beijou o moribundo, chorando ardorosamente. Os seus filhos mais velhos chegaram a pé, logo depois; caíram junto ao leito numa expressão de dor incontrolável, beijaram-lhe as mãos e a boca, e o mais velho, a quem ele sempre demonstrara mais amor, manteve-se preso aos seus lábios até ele expirar, sendo arrancado dali à força. Morreu ao meio-dia. A presença do bailio e as providências que tomou evitaram aglomerações. Às onze horas da noite, mandou sepulta-lo no lugar escolhido por ele. O velho e os filhos acompanharam o ocortejo, Albert não foi capaz. Receava-se pela vida de Lotte. Trabalhadores carregaram o seu caixão. Nenhum sacerdote o acompanhou.”

domingo, 15 de julho de 2007



"Me quer ? Não me quer ? As mãos torcidasos dedos despedaçados
um a um extraio assim tira a sorte enquanto
no ar de maio caem as pétalas das margaridas
Que a tesoura e a navalha revelem as cãs e que a prata dos anos tinja seu perdão
penso e espero que eu jamais alcance a impudente idade do bom senso

Passa da uma você deve estar na cama
Você talvez sinta o mesmo no seu quarto
Não tenho pressa
Para que acordar-te com o relâmpago de mais um telegrama

O mar se vaio mar de sono se esvai
Como se diz: o caso está enterradoa canoa do amor se quebrou no quotidiano
Estamos quites
Inútil o apanhadoda mútua dor mútua quota de dano

Passa de uma você deve estar na cama
À noite a Via Láctea é um Oka de prata
Não tenho pressa para que acordar-te
com relâmpago de mais um telegrama
como se diz o caso está enterradoa canoa do amor se quebrou no quotidiano
Estamos quites inútil o apanhadoda mútua do mútua quota de dano
Vê como tudo agora emudeceu
Que tributo de estrelas a noite impôs ao céu
em horas como esta eu me ergo e converso com os séculos a história do universo

Sei o puldo das palavras a sirene das palavras
Não as que se aplaudem do alto dos teatros
Mas as que arrancam caixões da treva e os põem a caminhar quadrúpedes de cedro
Às vezes as relegam inauditas inéditas
Mas a palavra galopa com a cilha tensa
ressoa os séculos e os trens rastejam
para lamber as mãos calosas da poesia
Sei o pulso das palavras parecem fumaça
Pétalas caídas sob o calcanhar da dança
Mas o homem com lábios alma carcaça."
(Fragmento de Vladimir Mayakovsky)