terça-feira, 1 de maio de 2007

25 de abril de 2007 - 155 anos da morte de Álvares de Azevedo

DADOS BIBLIOGRÁFICOS
* 1831- U1852

O domingo, 25 de abril de 1852, se iniciara sombrio na casa do Dr. Inácio Manuel Álvares de Azevedo, no Rio de Janeiro. Seu filho Manuel Antônio, o Maneco, pedira à mãe, D. Maria Luísa, que mandasse celebrar uma missa em seu quarto de doente. Sentia que, depois de mais de 40 dias prostrado no leito, vítima de uma série de males - que se manifestaram violentamente após uma queda de cavalo - chegara a hora da morte - que tanto cantara em seus versos de adolescente, apaixonado pelos delírios macabros de Byron e Musset.
Após se confessar ao padre arrumado às pressas, pediu à mãe, grávida de seu oitavo irmão, que se retirasse do quarto, pois precisava descansar. Por volta das 4 horas da tarde, com o auxílio do irmão Quinquim - quatro anos mais moço - ergueu-se um pouco do leito, beijou a mão de seu pai e, a custo, exclamou: - Que fatalidade, meu pai!
Tentou ainda dizer algumas palavras, mas a boca já se contraía e o corpo jazia imóvel nos braços do irmão. Do quarto ao lado, D. Maria Luísa, ouvindo e entendendo, soltou um grito desesperado e desfaleceu. No enterro, discursou o parente Joaquim Manuel de Macedo, médico, professor e já um dos mais importantes e populares romancistas do Brasil, autor de "A Moreninha" (1844). Entre outros elogios, afirmava que "Deus tinha acendido na alma do mancebo aquele fogo sagrado da poesia, que eleva o homem acima da terra e faz correr de seus lábios, em cânticos sonoros, a linguagem do inspirado".

No dia 27 de abril, o Correio Mercantil, jornal onde então trabalhava Manuel Antônio de Almeida, publicou, na primeira página, uma nota em que se lia: "Nesse jovem perdeu o Brasil um de seus mais esperançosos filhos, um coração patriótico e dedicado, um poeta cujos vôos deviam elevar-se a grandes alturas, um advogado que prometia em breve conhecer todos os arcanos da ciências jurídicas, pois que ainda no fervor dos anos já lhe eram igualmente familiares os poetas e literatos da Itália, da Alemanha, da França e da Inglaterra, assim como os escritos dos mais abalizados jurisconsultos e publicistas".

Quase um mês depois, a 22 de maio, em São Paulo, a sociedade acadêmica a que Maneco pertencia, o Ensaio Filosófico Paulistano, realizava uma sessão fúnebre em sua homenagem, presidida por Amaral Gurgel. Nos vários discursos e poemas apresentados,"gênio" é a palavra mais usada para caracterizá-lo. Ao morrer, Manuel Antônio Álvares de Azevedo havia publicado apenas alguns poemas e discursos em revistas acadêmicas de circulação restrita aos estudantes de Direito de São Paulo. Já era, no entanto, considerado, por aqueles que o conheciam, uma grande esperança poética e intelectual.
A sua morte, antes que chegasse a completar o vigésimo primeiro aniversário, privou-nos, nas palavras de José Veríssimo, "daquele que seria talvez o máximo poeta brasileiro". Seria... Talvez...
O certo é que a morte jovem criou, como sempre, um mito. O mito do gênio doente e mórbido, que previra a própria morte em "Se Eu Morresse Amanhã": "Quanta glória pressinto em meu futuro! Que aurora de porvir e que manhã! Eu perdera chorando essas coroas Se eu morresse amanhã!"

Vida Breve: vida louca?
Todo mito é enigmático, "nada que é tudo". A tão curta vida de Álvares de Azevedo é fonte de inúmeras polêmicas entre seus biógrafos. Discute-se desde o local onde teria nascido até a causa médica de sua morte. Principalmente polemiza-se em torno da sua conduta quando estudante em São Paulo. Libertino devasso ou estudante recatado?
Vamos aos fatos que parecem certos. Sabe-se que o autor da "Lira dos Vinte Anos" nasceu no dia 12 de setembro de 1831, em São Paulo, onde seu pai era ainda quintanista da Faculdade de Direito. Tudo indica que teria nascido na biblioteca da casa do avô, embora haja uma lenda de que o parto teria ocorrido na biblioteca da própria Faculdade de Direito.
De qualquer modo, Álvares de Azevedo teria nascido como, de resto, passaria toda a vida: entre livros. Formado, seu pai se transfere para a capital, o Rio de Janeiro, iniciando logo brilhante carreira jurídica. Aos quatro anos de idade, Maneco depara-se, pela primeira vez, com a morte. O falecimento de seu irmãozinho, Manuel Inácio, deixa marcas profundas sobre o jovem sensível. Alguns biógrafos atribuem ao choque com a morte do irmão uma febre que o domina entre os cinco e os seis anos, quase o mata, e que o deixaria debilitado pelo resto da vida.
Certamente o poema "O Anjinho", da "Lira dos Vinte Anos", traduz, anos depois, a forte impressão que o episódio lhe causou: "Não chorem! lembro-me ainda Como a criança era linda No frescor da facezinha! Com seus lábios azulados, Com os seus olhos vidrados Como de morta andorinha!" Ainda adoentado, inicia-se nos estudos com pouco brilho. Ingressa, aos nove anos, no Colégio Stoll, onde logo se destaca, sendo considerado, pelo professor Stoll, "o melhor dos alunos, pela inteligência, pelo espírito, pela amável alegria e, principalmente, pela bondade". Terminado o primário, já fala francês e inglês e ingressa no célebre Colégio Dom Pedro II para cursar o ginásio.
Lá, aprende o alemão, o grego e o latim e tem aulas de filosofia com o poeta Gonçalves de Magalhães, introdutor do romantismo no Brasil. Sempre enfrentando problemas de saúde, recebe com menção honrosa, em 1847, o título de Bacharel em Letras, o equivalente, hoje em dia, ao diploma do Segundo Grau. Em 1848, ingressa na Academia de Ciências Jurídicas de São Paulo.
A partir da sua transferência para a capital paulista até a sua morte, em férias, no Rio de Janeiro, a história se mistura com a lenda e fica difícil distinguir o homem do mito. Nas suas cartas à família e aos amigos cariocas, assim como na peça "Macário", Maneco revela um imenso tédio em morar na pequena "cidade colocada na montanha, envolta de várzeas relvosas" com"ladeiras íngremes e ruas péssimas", nas quais "era raro o minuto em que não se esbarrasse a gente com um burro ou com um padre".
A capital paulista era, então, habitada por não mais de 15 mil pessoas, que viviam escandalizadas com as aventuras devassas de uma sociedade secreta de estudantes, fundada em 1845, conhecida como "Sociedade Epicuréia". Seus membros, alunos da Academia, chamavam-se uns aos outros pelos nomes de personagens do Lord Byron e tinham, como objetivo principal, colocar em prática as"extravagantes fantasias" do poeta inglês.
Realizavam orgias intermináveis e, diz a lenda, cerimônias macabras nos cemitérios paulistanos. Chegando a essa São Paulo, Álvares de Azevedo trava logo amizade com dois poetas estudantes, notórios boêmios, Aureliano Lessa e o futuro romancista Bernardo Guimarães. Juntos, planejam publicar um livro de versos, intitulado "As Três Liras". Introvertido, estudioso, Álvares de Azevedo leu com avidez e produziu vertiginosamente durante os quatro anos de Faculdade.
Escreveu os poemas reunidos nos livros "Lira dos Vinte Anos" e "Poesias Diversas"; os poemas longos "O Poema do Frade" e "O Conde Lopo"; o drama "Macário"; as narrativas de "Noite na Taverna" e "O Livro de Fra. Gondicário"; quase uma centena de páginas de estudos literários; alguns discursos acadêmicos e ainda incontáveis cartas pessoais enviadas ao Rio de Janeiro.
Ficaria muito difícil, portanto, a um trabalhador tão incansável, de saúde sempre abalada, ter-se misturado com freqüência às orgias sucessivas e aos excessos dos companheiros boêmios, menos dedicados à literatura e ao estudo. Vida louca? Certamente a dos que o cercavam. A de Maneco parece, aos estudiosos mais sérios, ter se passado fundamentalmente entre os livros e os sonhos.

Duas mortes marcaram profundamente o poeta nos seus últimos anos de vida. Em setembro de 1850, o quintanista Feliciano Coelho Duarte comete o suicídio. Em setembro de 1851, morre seu amigo João Batista da Silva Pereira Júnior. No discurso fúnebre do amigo, Álvares de Azevedo diria: "Cada ano uma vítima se perde nas ondas, e a sorte escolhe sorrindo os melhores dentre nós". No seu quarto de pensão, compõe um poema dedicado ao amigo, e escreve na parede: 1850 - Feliciano Coelho Duarte 1851 - João Batista da Silva Pereira 1852 - ...
Entre os anos letivos de 1851 e 52, vai passar as férias com a família. Passeando a cavalo, a conselho médico, com seu cão Fiel pelas ruas do Rio de Janeiro, para amenizar os sintomas da tuberculose que o afligia, sofre uma queda. Após uma operação, segundo a família sem anestesia, para a remoção de um tumor na fossa ilíaca - provavelmente uma apendicite supurada - e depois de 46 dias de agonia, deixa a vida para virar lenda.

"Lira dos Vinte Anos" - Publicação e Organização
A obra de Álvares de Azevedo é toda de divulgação póstuma. Maneco mal teve tempo de escrevê-la, quanto mais de organizá-la para publicação. Em 1853, o seu amigo Domingos Jacy Monteiro, seguindo as intenções do autor, que deixara anotações para a publicação em alguns cadernos, organiza o primeiro volume das "Obras de Manuel Antônio Álvares de Azevedo".
Com o título de "Poesias", o livro traz a primeira versão de "Lira dos Vinte Anos", dividido em duas partes, mas sem os seus respectivos prefácios, e incluindo apenas os poemas até "É Ela! É Ela! É Ela! É Ela!". A partir da edição organizada por Joaquim Norberto de Sousa e Silva, em 1873, foi acrescida uma terceira parte ao livro.
E assim, a cada edição a obra se modificava. A versão do livro que hoje temos como definitiva foi organizada por Homero Pires para a edição das "Obras Completas de Álvares de Azevedo" da Companhia Editora Nacional, em 1942. Ela é composta por um "Prefácio" geral à obra; uma "Dedicatória" à mãe do poeta; a Primeira Parte, composta por 33 poemas que vão de "No Mar" a "Lembrança de Morrer"; a Segunda Parte, com o seu "Prefácio", compõe-se de 19 poemas que vão de "Um Cadáver de Poeta" a "Minha Desgraça" - incluindo-se aqui, na contagem, os 6 da série "Spleen e Charutos"; e de uma Terceira Parte que vai de "Meu Desejo" a "Página Rota" e que, nas palavras do próprio Homero Pires, "não é senão uma continuação da primeira parte".
Para melhor entendermos as partes em que a obra se compõe, precisamos, antes, investigar um pouco as influências que o jovem Maneco recebeu dos autores mais importantes de seu tempo.

O Byronismo
Álvares de Azevedo pode não ter participado das orgias ditas "byronianas" dos colegas do seu tempo. Mas ficaram fortemente impressas na sua obra as marcas desse tempo em que, segundo o seu contemporâneo de Faculdade, José de Alencar, "todo estudante de alguma imaginação queria ser um Byron, e tinha por destino inexorável copiar ou traduzir o bardo inglês".
George Gordon, nascido pobre e manco em 1788, herdou, aos 16 anos, o título de Lord Byron e o castelo de Newstead. Espantou a sociedade aristocrática londrina com seus sucessivos e ruidosos casos amorosos, inclusive com sua meia-irmã Augusta, viajou por toda a Europa em busca de emoções, envolveu-se amorosamente tanto com homens quanto com mulheres, e morreu aos 36 anos, vítima da tuberculose, agravada por um ferimento em batalha, lutando pela libertação da Grécia, em 1824.
Em meio a toda essa agitação existencial, que se tornou o paradigma do homem romântico que busca a liberdade, Byron escreveu uma obra grandiloqüente e passional. Encantou o mundo inicialmente com seus poemas narrativos folhetinescos, em que não faltam elementos autobiográficos, como "Childe Harold''''''''s Pilgrimage" e depois o assustou com a faceta satírica e satânica que apresenta em poemas como "Don Juan".
O cinismo e o pessimismo de sua obra haveriam de criar, juntamente com o mirabolante de sua vida, uma legião de jovens poetas"byronianos" por todo o mundo. Na França, Alfred de Musset encontraria nele o melhor exemplo do homem (e do poeta) que quebra todas as regras sociais e vive guiado apenas pela emoção.
Sua versão do "byronismo", é, no entanto muito mais adocicada e sentimental, faltando-lhe muito da ironia sarcástica do inglês. No Brasil, na época radicalmente francófilo, lia-se muito mais Musset do que Byron. Foi o francês, na verdade, com a sua versão açucarada de Byron, quem mais influenciou o "Ultra-romantismo" de Casimiro de Abreu e das primeiras produções poéticas de Álvares de Azevedo.
Impregnado pelo "mal-do-século" - o tédio e a melancolia que a medicina da época imaginava fruto de uma bile negra produzida no baço (em inglês: "spleen") - e sofrendo a "doença da moda", como definiu a tuberculose o poeta inglês Shelley, Álvares de Azevedo imaginou, na sua obra ao menos, todo um universo de devassidão e pecaminosidade pelo qual se tornaria conhecido como o "Byron brasileiro".
Iniciou-se, no entanto, muito mais como um "Musset brasileiro" e, aos poucos, foi incorporando à sua poesia a ironia cortante de George Gordon. A divisão da"Lira dos Vinte Anos" em partes corresponde a essa evolução. O livro parte do romantismo sonhador e sentimental na Primeira Parte, para alcançar o seu ápice no romantismo irônico e auto-crítico da Segunda. Do Byron-Musset ao Byron-Byron. Assim, Azevedo traçou se nome definitivamente na história da literatura.




Lágrimas de Morrer
Se tu souberas que lembrança amarga
Que pensamento desflorou meus dias,
Oh! tu não creras meu sorrir leviano,
Nem minhas insensatas alegrias!

Quando junto de ti eu sinto, às vezes,
Em doce enleio desvairar-me o siso,
Nos meus olhos incertos sinto lágrimas...
Mas da lágrima em troco eu temo um riso!

O meu peito era um templo - ergui nas aras
Tua imagem que a sombra perfumava...
Mas ah! emurcheceste as minhas flores!
Apagaste a ilusão que o aviventava!

E por te amar, por teu desdém, perdi-me...
Tresnoitei-me nas orgias macilento,
Brindei blasfemo ao vício e da minh'alma
Tentei me suicidar no esquecimento!

Como um corcel abate-se na sombra,
A minha crença agoniza e desespera...
O peito e lira se estalaram juntos...
E morro sem ter tido primavera!

Como o perfume de uma flor aberta
Da manhã entre as nuvens se mistura,
A minh'alma podia em teus amores
Como um anjo de Deus sonhar ventura!

Não peço o teu amor... eu quero apenas
A flor que beijas para a ter no seio...
E teus cabelos respirar medroso...
E a teus joelhos suspirar d'enleio!

E quando eu durmo... e o coração ainda
Procura na ilusão tua lembrança,
Anjo da vida passa nos meus sonhos
E meus lábios orvalha d'esperança!
(Álvares de Azevedo)


Um comentário:

  1. Eu não vou ler tudo isso...rs mas não é por maldade mas sim porque eu já li, há um tempinho atrás=)
    Tenho que passar para deixar a minha marquinha, né...=)

    Beijo minha fofura grandona...AMO VOCÊ^^

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"Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro..." (Clarice Lispector)